Erico Stickel em sua casa na R. dos Franceses em 2003.
Mil anos atrás perguntei ao meu pai se ele já tinha tomado um dry martini, ao que ele me respondeu que não. Perguntei então se ele não gostaria de experimentar um, e ele mais uma vez disse que não. Achei meio estranha e ridícula sua recusa de experimentar algo “novo” e segui na minha arrogância de jovem.
No Estadão de hoje Leandro Karnal comenta sobre seu aniversário de 60 anos: “Não preciso mais conhecer o novíssimo restaurante três estrelas Michelin inaugurado em uma vila da Ligúria, a três horas de carro de Gênova. Enfrentar menus obrigatórios com espuma e fumaça? Nunca mais. Farei em casa minha massa de grão duro, tomate fresco, manjericão, muçarela de búfala e um fio de azeite bom – com duas ou três pessoas íntimas. Esse é meu paraíso três estrelas!”
Hoje penso exatamente como o Karnal, e percebo, olhando para trás, como meu pai já havia conquistado silenciosa e discretamente a sabedoria dos sessenta… e sua taça diária de vinho…
Leandro Karnal
Bodas de diamante
Seriam os 60 os novos 40? Os 60 são 60 mesmo, com todas as suas glórias e desastres.
A partir de agora, posso entrar na fila das prioridades. Chego ao jubileu de diamante: 60 verões completados.
Se fosse uma referência histórica, poderíamos dizer que dobro o Cabo da Boa Esperança. O primeiro contato lusitano com o promontório meridional da África dá origem ao termo Cabo das Tormentas. Depois, com a pressão do poder em Lisboa, surge o novo nome, mais suave. Será assim comigo? Outro dado animador: o ponto extremo sul-africano é o Cabo das Agulhas. Há coisas novas a descobrir.
Seriam os 60 os novos 40? Os 60 são 60 mesmo, com todas as suas glórias e desastres. Prossigo na chamada “maturidade com saúde”.
Na prática: tenho mais tempo atrás do que pela frente. Minha casa é muito mais atrativa agora. Minha cama é uma companhia extraordinária. Ver uma boa série deitado, confortavelmente, tem se tornado meu nirvana. Não preciso mais conhecer o novíssimo restaurante três estrelas Michelin inaugurado em uma vila da Ligúria, a três horas de carro de Gênova. Enfrentar menus obrigatórios com espuma e fumaça? Nunca mais. Farei em casa minha massa de grão duro, tomate fresco, manjericão, muçarela de búfala e um fio de azeite bom – com duas ou três pessoas íntimas. Esse é meu paraíso três estrelas. Essa é minha consciência de 60 anos.
A libido que explodia diariamente (e de forma inconveniente aos 20) é agora uma experiência um pouco mais espaçada. A vontade de passar uma semana acampado no deserto de Gobi, sem tomar banho, foi realizada. Amo meu chuveiro de forma apaixonada e sou feliz sob o fluxo da água na minha residência. Em mim, Marco Polo perde uma parte do seu impulso.
Nunca fui melancólico. O que ocorre é o fim da sofreguidão, o fim do furor com as coisas, a pressa absoluta que há de ter marcado minha existência. A ansiedade diminui. Já sei que sou e serei incompleto, que não verei tudo, que não conhecerei tudo. Aceito a contingência da vida e sei que a beleza está em seu caráter passageiro.
Reflito que, com minha idade, Shakespeare já estava morto há oito anos. O legal dos 60 é pensar que nunca serei como ele. Tive e tenho o privilégio de lê-lo. É o bastante! Faço bodas de diamante, ainda sendo carvão comum. No fim, convenço-me de que diamantes são pouco úteis no frio da vida… Tenho esperança de continuar lendo bem aos 70.
E você, querida leitora e estimado leitor? Teme algo ao ver a estação final cada vez mais perto?