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rosangela dorazio

Este é o texto de curadoria que preparei para a exposição de Rosangela Dorazio no Espaço Fundação Stickel:

N A T U R E Z A S U S P E N S A
O laguinho da praça sofreu um corte, sua água solidificou-se em farpa, enquanto isso a árvore do parque enfrentou uma meia-cana e sua casca virou fiapo.
A natureza se desconstrói sob a ação de Rosângela Dorazio, ganhando uma nova ordem — ou, talvez, uma nova desordem.
No lugar da água, o nankin, no lugar do céu a lasca, tudo se costura em léguas de fiapos. A artista transforma a superfície de seus trabalhos
em um campo de experimentação e batalha, onde o desenho, a gravura, a fotografia e a escultura se fundem em linguagens híbridas, unidas na
violência e inquietação dos gestos desta nova poética visual.
Rosângela Dorazio reinventa a natureza, com sua tempestade particular, onde fiapos voam e lascas nadam. Incorpora o vento e as
ondas, rearrumando a realidade, o resultado de toda esta violência é curiosamente plácido, o espanto provocado pela colisão de elementos cede lugar a uma estranha serenidade. O caos, aqui, não é ruína, mas método.
A artista precisa do caos como processo de trabalho, ao invés de bebê-lo ela gosta de jogar café quente no seu trabalho, subvertendo a ordem das coisas; fotografia que não é usada como tal, gravura onde a reprodutibilidade não interessa, ferramentas usadas não para obter um corte fino, e sim para arrebentar.
Curioso é, ao final, uma fotografia despedaçada exalar paz e beleza.
Insólito como uma superfície lisa cresce naturalmente para a tridimensionalidade, igualmente curioso é um desenho ou aquarela ganhar dimensão poética ao ser agredido com café! O que deveria ser a pele da obra — seu acabamento — torna-se víscera, conteúdo, profundidade.
Há algo de arqueológico na abordagem de Dorazio, como Alexander Von Humboldt e Spix & Martius, viajantes-cientistas que cruzaram os
sertões brasileiros séculos atrás, ela se lança sobre a natureza com gulosos olhos de descobridora. Só que sua viagem é para dentro: do papel, do corpo da obra, dos limites da linguagem visual. Suas monitipias são texturas; suas rotas, as nervuras do gesto natural.
Dorazio extrai beleza do imprevisível, do acidente, do improviso. Seu trabalho é uma travessia sensorial, onde o espectador é convidado a olhar de perto — e, talvez, a se perder dentro de uma floresta de arrepios.

Fernando Stickel
14/07/2025


Minha mãe Martha, Rosangela e eu.


Sandra e eu.

é isso, por fernando stickel [ 7:09 ]

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