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27ª bienal


Errei meu cálculo e perdi a exposição dos concretistas no MAM, paciência. Fui então à 27ª Bienal de São Paulo, entrada grátis, e o único prazer que lá obtive foi um Eskibon na saída por R$3,50.

Rala, irrelevante, fraca, esta Bienal é totalmente inútil. É óbvio que deve haver uma ou duas pérolas perdidas lá no meio, mas mesmo o Marcel Broodthaers ficou ralo e perdido. Triste, drenado de energias, cá estou desiludido com (esta) arte. E de quebra triste com (este) Brasil. Por ser totalmente oportuno, e como de costume lúcido e bem escrito, vai o artigo do Arnaldo Jabor sobre o tema:

A arte deve ser a exaltação da vida – Caderno 2 – 12/12/2006

Ao apagar das luzes, fui ver a Bienal. Já tinha visto e fui de novo. E confirmei a primeira impressão. A sensação é a de ruínas ou de despejos da civilização. Os trabalhos repetem os mesmos códigos e repertórios: terra arrasada, materiais brutos e sujos, desarmonia, assimetria, uma busca deliberada da feiúra, uma clara vergonha de ser ?arte?, vergonha de provocar sentimentos de prazer. A fruição poética é impedida, como se o prazer fosse uma coisa reacionária, ?alienada?, ignorando o ?mal do mundo?, que tem que ser esfregado na cara do espectador para que ele não esqueça o horror social e político que nos assola.

É como se a própria arte fosse uma babaquice a ser evitada. Numa entrevista, uma das teóricas da arte contemporânea, Claire Bishop, diz na Folha : ?não defendo uma arte da transcendência. O paradigma romântico foi desmantelado no século 20, porque apresenta a arte como algo universal acima da realidade social e política?.

Ou seja, a razão maior da arte , que é justamente esta, está jogada fora, em nome de uma ?virada social da arte?, uma racionalização criada para substituir a impotência política real.
Fui andando pelo pavilhão do Niemeyer, pensando que o edifício moderno era superior a qualquer panfletinho ali exposto.

Pensei que o império da sordidez mercantil, a ignorância no poder, o fanatismo do terror, a boçalidade da indústria cultural, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda está muito além do alcance crítico de qualquer ?denúncia ? artística.. Não adianta mais ?chocar ? ninguém. Nada que haja na Bienal nos choca mais que uma explosão da discoteca onde morrem 300 jovens, nada é pior que homens-bomba ou a África ou a lama das favelas e periferias. Nada.
A arte virou um parque temático de deprimidos, um muro de lamentações inúteis.
Hoje, sobrou apenas a psicose como bandeira, a melancolia como ?denúncia? de uma vida sem solução e a única crítica do mundo ocidental é feita pelos terroristas islâmicos.

Intelectuais e artistas vivem em pânico, pois seu reinado de sínteses se extinguiu . Os acontecimentos estão incompreensíveis e , no entanto, óbvios demais. Pipocam religiões e irracionalismo autoritário que nos tragam alguma certeza , nem que seja a de chicotes em nossas costas , pedras em nossas cabeças ou guerras sangrentas que nos purifiquem.
Todas as reflexões filosóficas ficaram céticas, descrevendo impossibilidades e becos sem saída. Nunca imaginávamos que o século 21 seria parecido com o século 7o . quando Maomé se declarou o único profeta

Tropeçando em perigosas ?instalações ? pensei que a morte da ?aura? da arte será mais difícil de se aceitar do que pensávamos. Com a morte da arte, o artista se vê abandonado , e ele mesmo passou a usar a luz da ?aura?, passou a ter ?halo?, como uma coroa de espinhos para sua solidão. O artista quer virar obra de arte. E tudo faz para esquecer seu abandono, mesmo que seja expor seus excrementos numa latinha. E vemos que ele não abriu mão da representação, mas cultiva-a ao avesso da beleza, como uma doença favorita. Ele é a representação, ele é a paisagem.

Acontece então que críticos e ensaístas sacanas,mas brilhantes como Brad Holland, por exemplo, vêem essa brecha teórica no ar e começam a destratar a arte em geral, com claros tons reacionários e, no caso do Holland, muito engraçados. Ele se refere ao beco sem saída d arte, que descrevo neste artigo-cabeça. Diz ele: ?Tanto o dadaísmo como o surrealismo estão superados. É impossível distinguir esses movimentos estéticos da vida cotidiana. ?E depois: ?não há mais o que transgredir. Tudo foi assimilado. ?Estamos rompendo normas?é, hoje, o slogan do McDonald?s?. E a piada final, o ?punch line?: ?Antigamente , o artista de vanguarda chocava a classe média; hoje a classe média choca o artista de vanguarda.?

Claro que essas piadas não resolvem o impasse. Claro também que os artistas contemporâneos não podem ignorar o horror do mundo e têm de acusar o golpe. Sim,mas mesmo em tempos terríveis, há que se buscar alguma transcendência,sem desistir da criação como esperança e vitalidade.

Depois da Bienal, entrei na exposição Raízes da Forma, no MAM ? SP, exibindo os principais trabalhos fundadores do Movimento Concreto dos anos 50 em São Paulo.

E, aqui, devo fazer uma auto-crítica: sempre impliquei com os concretos, desde minha adolescência no Rio, talvez influenciado pela cisão entre cariocas e paulistas sobre arte, com a polêmica entre concretos e neo-concretos do Rio, liderados por Ferreira Gullar. Mas domingo, dentro do MAM, tive uma sensação de alívio, de paz.

Diante das obras lindas de Ivan Serpa (ele , um precursor livre), de Lígia Clark, de Oiticica ( que me irritava desde as brigas com o Cinema Novo) , Geraldo de Barros, Aluízio Carvão, Alexandre Wollner e outros, diante das formas puras, reencontrei-me com a transcendência , sim , ali, no concreto. Sim, a arte que nos pacifica, eleva, nos silencia. E tive a certeza inapelável: a forma é tudo. Na forma está a verdade muito mais que na gritaria de denúncias e conteúdos desesperados como panfletos. No silêncio da forma a beleza nos espera, a esperança de sentido nos aplaca. Na beleza das formas organizadas, no desenho da razão está um sentido misterioso, mas imperioso para a vida. Lembrei-me então de uma frase de Stravinski: ?A obra de arte deve ser exultante.? E entendi que desistir da beleza é uma confissão de derrota, é legitimar os inimigos.

E só então 50 anos depois apaixonei-me pelos concretos de São Paulo, liderados pelos irmãos Campos e Pignatari , eu que já os tinha chamado de
mata-mosquitos da cultura?, no passado. Desculpem-me hoje 50 anos depois.

é isso, por fernando stickel [ 17:54 ]

2 comentários

Eduardo Lunardelli

dezembro 14th, 2006 at 21:55

Leia o Arnaldo Jabor no meu blog.Ele não é uma sumidade em artes, mas disse TUDO sobre essa BIENAL.

Cássia

dezembro 15th, 2006 at 15:50

….porissso Fernando eu te mandei o artigo do JABOR e que por coincidência o comentário acima diz a mesma coisa.

Nunca vi um artigo tão lúcido!!!!!

Lixo, terra,……arhggggggggg!!Chega!!!

Bjs Cássia

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