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Arquivo: julho de 2024

faleceu sergio lima

Faleceu o meu amigo Sergio Lima, artista plástico, escritor e cineasta, aos 84 anos de idade. Sua atuação se deu primordialmente no movimento surrealista, que comemora neste ano 100 anos. Sua atuação era pouco conhecida entre nós, mas muito valorizada na Europa.

A foto tirei em 2022 no seu estúdio na Vila Madalena, talvez premonitoriamente lá estava acima de sua cabeça um possível epitáfio, por ninguém menos que o grande teórico do surrealismo, André Breton:

“A maldição está lançada: Todo o poder de regeneração do mundo reside no amor humano”

Minha solidariedade à minha amiga Leila Ferraz, e suas filhas Camila e Renata. A cerimônia de despedida será amanhã 26 julho no Cemitério da Paz no Morumbi, Rua Dr. Luiz Migliano 644. Velório às 12hs e sepultamento às 17hs.

é isso, por fernando stickel [ 21:51 ]

história da fundação stickel 12


Grupo de geração de renda Doces Talentos na Casa de Cultura da Brasilândia 15/7/2010


Nova Identidade Visual, designer Iris Di Ciommo 2008


Festa de Natal na Paróquia São José Operário, Jardim Damasceno 8/12/2008


O fotógrafo Arnaldo Pappalardo em seu primeiro curso de fotografia no Programa Mulheres de Talento 23/11/2009


Equipe reunida no escritório da Tr. Newton Feitoza 9/2/2010


Aula “Chicotadas” de Vera Martins no CEU-Paz 17/11/2010


Curso Aproximações com a Arte, Casa de Cultura da Brasilândia 25/2/2012


Equipe reunida no novo escritório da R. Nova Cidade 18/5/2012


Exposição de fotos dos alunos de Arnaldo Pappalardo e Lucas Cruz “Olhar a Brasilândia” na Fábrica de Cultura da Vila Nova Cachoeirinha 14/9/2012


O designer Andre Cruz em consultoria no grupo de geração de renda Brasilianas, Paróquia São José Operário 22/12/2010

A HISTÓRIA DA FUNDAÇÃO STICKEL – Parte 12

A Fundação Stickel, que ainda buscava sua identidade, sofreu turbulências de 2008 a 2012. Enfrentamos falta de experiência, troca de superintendentes e gerentes, parcerias sem os devidos cuidados legais, incursão em áreas fora do nosso escopo e mudança da sede.

Esse período rico em desafios proporcionou um enorme aprendizado institucional. O conhecimento obtido no MBA por Fernando Stickel e sua participação no 22º Congresso da European Foundation Center em Cascais, Portugal, em 2011, impulsionaram a Fundação a um novo patamar. Fernando Stickel assumiu a gestão no início de 2012.

Conquistas significativas deste período:

• Parceria com a Paróquia S. José Operário, Programa Ação Família – 2008
• Retomada de posse do imóvel na R. Henrique Martins – 2008
• Planejamento Estratégico pela equipe interna – 2008
• Nova Identidade Visual, designer Iris Di Ciommo – 2008
• Obtido o Registro de Utilidade Pública Estadual – 2009
• Primeiro “Projeto Contrapartida” com o fotógrafo Arnaldo Pappalardo; curso de fotografia no “Projeto Mulheres de Talento” – 2009
• Parcerias com a Casa de Cultura da Brasilândia, CEU Paz e UBS Terezinha – 2010
• Voto de Congratulações por relevantes trabalhos sociais da Subprefeitura Freguesia-Brasilândia – 2010
• Criação dos grupos de geração de renda Brasilianas e Doces Talentos, incubados com tecnologia da ITCP-FGV – 2010
• Realinhamento Estratégico, consultoria do IDIS – 2011
• Consultoria Kokeshi indica a adoção do lema ARTE TRANSFORMA – 2012
• Encerramento das parcerias Paróquia S. José Operário; Casa da Cultura da Brasilândia – 2012
• Parceria com a Fábrica de Cultura Vila Nova Cachoeirinha – 2012

O grande tema do congresso em Portugal foi a governança. A mensagem unânime dos palestrantes foi clara: instituições do Terceiro Setor precisam incorporar governança de ponta para evoluir. Após o congresso, Fernando Stickel iniciou a atualização dessa área na Fundação, deixando de acumular funções. Ele pediu demissão do Conselho Curador e foi contratado como CEO remunerado, cargo que exercia como voluntário até então. Foram redigidos um novo estatuto, novo regimento interno, criado o Conselho Fiscal e normatizado o Conselho Curador.

Os maiores benefícios deste período foram a adoção de governança atualizada e a incorporação do lema ARTE TRANSFORMA à prática diária da Fundação. Com a missão clara, unimos atuação social e arte, dedicando-nos a transformar pessoas através da arte.

é isso, por fernando stickel [ 22:56 ]

cassio michalany


O artista plástico Cassio Michalany no portão de seu estúdio na R. Lourenço de Almeida, Vila Nova Conceição. Polaroid do início dos anos 80.

Abaixo o texto que escrevi sobre o artista, falecido no último dia 4 julho 2024, aos 75 anos, publicado na Revista Arte em São Paulo Nº 1, editada por Luis Paulo Baravelli em 1981.

C. M.
por Fernando Stickel

“Não me interessa a arte, me interessam os artistas.”
Marcel Duchamp

“A vida como toda obra de arte verdadeira é, apesar de tudo, sempre positiva.”
Barnett Newman

Bom dia!
O portão é verde.
O trinco é frouxo.
O homem é forte.
Trata-se do meu amigo Cassio Michalany. Toco a campainha. Às vezes ele encaixa bilhetes assim: “Volto daqui a 10 minutos” ou então “Estou no banho. Toque a campainha e espere um pouco”. Às vezes são as visitas que deixam recados, na maioria das vezes brancos, no portão verde capenga. Quando chove toco a campainha com extremo cuidado. Tenho medo de choque.
Cassio zela pela sua intimidade. De vez em quando ele tapa os buracos do portão com durepóxi e pinta de verde por cima. O portão é na rua. A casa é nos fundos.
O pátio cimentado tem tufos de capim e uma mancha de musgo no canto. Às vezes aparece um formigueiro. Cassio deixa as formigas em paz. Elas constroem esculturas no cimento. Às vezes a chuva leva tudo embora. Às vezes, quando necessário, vem um amigo que arranca os tufos de capim, deixando tudo limpo. Fica todo mundo suando e toma-se um banho no chuveiro pendurado na parede de reboco amarelado e solto.
Do pátio cimentado entra-se na cozinha através de um pequeno pórtico guarnecido de um prelo inútil e de um cano d’água que vaza.
Quando a porta da cozinha está aberta, Cassio está em casa. Na cozinha, um fogão senil, uma Consul fiel, uma bicicleta e muitos garrafões de água mineral, tudo em cima dos ladrilhos hidráulicos. O piso é policromado de branco, preto e cinza. A bicicleta é branca, mas tem pneus cinza.
Cassio toma muita água, sempre. “É hidroterapia”, diz ele. De manhã, à tarde e à noite, várias vezes por noite. Depois fica suando no travesseiro.
Sendo necessário ver trabalhos antigos, convites de exposição ou não esquecer de pagar a conta da luz, Cassio pendura tudo nas paredes da cozinha. É o local obrigatório, sede do processo hidráulico.
Quando é de manhã bem cedo Cassio acorda sozinho e combate a vigília inútil na horizontal. Depois abre a janela, liga a FM, toma água, dá um tempo.
“Alimente-se bem, meu filho.” Com essas palavras ecoando há vários anos no seu ouvido, Cassio, o nadador, toma um café da manhã extremamente saudável. Esse é um dos seus segredos. E a água. E a postura.
Bom, está tudo pronto. É a hora do atleta. Cassio fecha a casa, toma a bicicleta e vai nadar fora d’água. São várias voltas. Seu caminho passa invariavelmente em frente à minha casa. Às vezes ele para e conversamos. Às vezes na calçada, às vezes no sofá. Cassio toma água, meio a meio, “para não rachar o bloco…”. Às vezes tem um cafezinho.
Ele costuma dar de presente de aniversário para Tati, a minha filha, uma tela de 15 x 15 cm. Um ladrilho tecido e pintado a mão. Ela já tem quatro. Um de quando nasceu e mais três dos outros anos. Ela adora. Tio Cassio é meu compadre. Um dia Tati pediu: “Papai, vamos pendurar os quadros do tio Cassio?”. Ela determinou os locais e eu preguei. Tudo fora de nível.
Quando Cassio corre muito forte na bicicleta, ele solta uns berros danados. Diz que faz bem. Enquanto pedala, observa. Vai olhando as coisas, cheirando os cheiros. Observando.
Com a cabeça feita, guarda a bicicleta na cozinha, faz um cafezinho, lê o jornal, dá um tempo. Toma banho, faz a barba e põe uma roupa discreta. Às vezes é muito discreta
Aí é hora do almoço. Pega a Brasília verde, abre os portões verdes e sai devagar, para não forçar a embreagem. Cassio nunca corre, e os carros ficam mal-acostumados.
À tarde, com as baterias carregadas quase até a boca, Cassio volta para casa. Abrem-se os portões verdes da rua. Abre-se a porta da cozinha. Abrem-se pela primeira vez os portões também verdes do estúdio. Lá dentro está quente e silencioso. Enquanto o calor sai e os ruídos entram, Cassio põe uma roupa muito discreta, inteiramente policromada e rasgada em alguns pontos. É a roupa de trabalho.
Lentamente o momento vai se aproximando. As baterias estão explodindo. Acendem-se as luzes do estúdio.
É a hora do trabalho.
Cassio monta os cavaletes para trabalho horizontal. Os móveis e as coisas do estúdio olham tudo com extrema atenção. Lá fora, o céu adquire tons cinza-róseo ou azul-esverdeado, conforme o dia.
As telas virgens estão ávidas. Cassio prepara as tintas. Os potinhos de iogurte, sorvete e chantili vão se enchendo de cores. Ele vai mexendo, testando, adicionando, alterando, até chegar no ponto. É mais ou menos como fios de ovos das cores malucas e escuras. É o néctar.
Enquanto isso os pincéis descansam olhando para o teto, como se não fosse com eles. As trinchas, em compensação, ficam meio pensas, olhando de lado. Elas sabem que o assunto é com elas.
Cassio espalha o néctar sobre a tela com uma trincha larga. As cores tomam corpo. O momento é de tensão. As camadas se sucedem. O néctar pinga no chão de cimento ultrapolicromado por anos de processo pictórico. A coisa vai solta.
As telas permanecem na horizontal. Cassio manipula a obra com extremo cuidado. Com muito carinho, resiste à curiosidade de olhar o trabalho, na vertical, até que a tinta seque. Ela não vai escorrer, mas ele é cismado.
É a hora da realização.
Enquanto espera o momento da próxima camada, Cassio respira fundo, acende um cigarro, vai até a cozinha, tira uma bandeja de gelo da Consul, põe quase todas as pedras no isopor e algumas no copo preferido, uísque por cima. Liga o som, senta na cadeira azul de diretor e vai ouvindo jazz, jazz, jazz.
As baterias estão ótimas, o astral é total. Mais umas camadas. Mais testes, mais néctar. A coisa chega ao final. Do dia. O resultado é só na manhã seguinte, com a tinta bem seca.
Cansado, o artista troca de roupa, acende um cigarro e sai para jantar. As baterias descarregam-se suavemente.
A rotina das portas e portões se repete ainda uma vez. Cassio volta para casa e guarda a Brasília verde. Respira fundo, olha o céu escuro. Sente a satisfação formigando, do peito às extremidades. Mais um pouco e está deitado. Liga a FM, dá um tempo, apaga a luz.
Boa noite, C. M.

é isso, por fernando stickel [ 16:48 ]

faleceu cassio michalany

Querido amigo Cassio Michalany, tua saída abrupta pela esquerda foi uma sacanagem conosco, teus amigos, você não nos deu tempo nem de dar um tchau…

Agora não há mais maneira de nós dizermos a você o quanto nos fará falta, o quanto o amamos e sentiremos por esta partida tão fora de hora e de lugar. Resta rezar para que tua passagem seja brilhante e suave.


Cassio em seu estúdio

Da hora em que você caiu sozinho no teu apartamento/estúdio, no sábado à noite 22/6/24, você poderia ter entendido que o buraco era mais embaixo, que o acidente foi suficientemente grave para que você abrisse espaço para pessoas queridas te ajudarem, mas não, continuou e insistiu na mania de se isolar, não quis ninguém com você.

Mesmo que você me chamasse, também não poderia ajudá-lo, estando também hospitalizado no Einstein.

Ao longo dos anos, sem razões concretas a não ser os teus conflitos internos, você conseguiu brigar com vários amigos, alguns deles sabendo que eu era próximo a você chegaram a comentar comigo da inexplicável rejeição.

E assim, vítima de isolamento, você teve uma parada cardio-respiratório à noite e sozinho no quarto comum do Hospital Oswaldo Cruz e entrou em coma. Por sorte, o universo se compadeceu e você faleceu três dias depois.


Cassio e Arthur, meu filho no estúdio de Pinheiros, 2003

Sandra e eu estivemos ontem no velório, para dar um abraço no Sylvio e Verinha, teus irmãos, no Miguel teu cunhado, na Lia, Daniel e Lucila teus sobrinhos. Augusto, Perrone, Claudio Furtado, Cibele estavam lá, Fabio Magalhães, Zé Resende, Fajardo, Rodrigo Naves, Wilma Eid, Andre Millan, Socorro e Yannick.


Eu e ele, 2003

A seguir texto do nosso amigo Claudio Furtado:

Cássio ainda não tinha bigode. Poucas palavras, poucas linhas. Sentado no fundo do cursinho Universitário olhava o Baravelli falar e captava, não suas palavras, mas o todo. Meio estranha a frase, meio abrupta se você não conheceu o Cássio Michalany. Ele me mostrou o que era talento silencioso, recolhido, que fala aos olhos sem precisar dizer palavra. Ficamos amigos, eu cheio de palavras ele de olhares.

Levei-o ao atelier do Augusto Lívio na rua da Consolação onde Frederico Nasser iniciava um curso de expressão artística. Levei também o Plínio, o Maurão, Levy, tudo porque tinha visto um desenho do Luiz Eduardo Casal de Rei. Um falou pro outro e formou-se um batalhão de discípulos do quadrado mágico formado por Baravelli, Fajardo, Nasser e Resende. Mais tarde formaram a Escola Brasil: e nossa história se esboçou.

Estudamos juntos para o vestibular, noites claras com gotas de cafeína. Plínio, Lua nos faziam companhia. Cássio reclamava, dormia e no vestibular colou praticamente tudo de mim. Entramos, mas Cássio continuou com sua obra sintética, simples e clara. Afinal pintura é tinta sobre tela, o que mais? Andando pela cidade, viu a torre do Sesc Pompéia gritou: “É tudo mentira!” Arte não precisava de discurso, de truques, é muito menos e muito mais que isso.

Enquanto sua vida se recolhia a poucos amigos, seu repertório de LPs foi trocado por CDs, o Old Eight por marcas mais nobres e sua arte se sintetizando. Sua tinta mais comum, suas telas mais lisas. Um silêncio gritante. Num de seus aniversários me expulsou de sua casa, não queria comemorações. Depois foi o Plínio e só restou o Fernando Stickel a insistir em seu contato.

Morava só, morreu só e deixou ao futuro o legado de sua existência. Mais que obras de arte, nos ensinou uma vida, dolorosa, solitária, sintética e abrangente como poucos. Penso nele e lembro do texto de Merleau-Ponty sobre Cézanne e sua personalidade retraída. Me mostrou a música Laura que se tornou minha filha, mostrou-me o caminho das letras, meu primeiro texto publicado foi sobre ele. Me mostrou pouco importa se estamos ou não juntos em seu aniversário. Todos estavam juntos em seu velório.

Agora chega. “Tudo que abrupta não faz sentido.”

Claudio Furtado 5/7/2024


Cassio Michalany 16/3/1949 – 4/7/2024

é isso, por fernando stickel [ 20:33 ]