Descobri em uma antiga publicação da Villares este projeto para o Refúgio da Pedra do Baú. A cabana foi construida nos anos 40 como parte da implantação do Acampamento Paiol Grande em São Bento do Sapucaí, graças aos esforços, entre outros, do meu tio Luiz Dumont Villares, do meu pai Erico Stickel, Job Lane, Otavio Lotufo e Alfredo Velloso.
Eu ainda conheci a cabana de pé, e lá dormi na minha primeira escalada da Pedra em 1956. Logo depois ela foi vandalizada, hoje não sobra nada.
Meu certificado de escalada do Baú foi assinado pelos meus primos Maria e Paulo Villares (com a observação “que escalou o Matterhorn…), e pelo meu pai, Erico Stickel. Eu tinha 7 anos e três meses de idade!
A HISTÓRIA DO PAIOL GRANDE
por Paulo Diederichsen Villares
Como nasceu a idéia?
Após o término da Segunda Guerra Mundial, lá pelos anos de 1946, meu pai, Luiz Dumont Villares, foi procurado por um grande amigo seu, o Dr Job Lane, que era dono do Hospital Samaritano em São Paulo. Disse ele à meu pai:
“Luiz eu conheci um americano lá nos Estados Unidos, que tem um Acampamento de Férias para jovens e perdeu seus dois filhos na Guerra. Em homenagem e lembrança de esses dois filhos, ele gostaria de tocar um acampamento de férias aqui no Brasil, semelhante ao dele, mas precisa de quem de apoio a ele. Você não gostaria de conhecê-lo? “
Assim foi que meu pai numa próxima ida sua para os Estados Unidos, convidou o Mr. Donald D. Kennedy para um jantar em Nova Iorque e o diálogo dos dois foi mais ou menos assim, segundo meu pai:
“Mr. Kennedy, o que é um acampamento de férias para jovens?“
Mr. Kennedy então explicou e explicou, contando o que ele e a mulher dele, Harriet, faziam, no chamado “Camp Kieve”, em Vermont. Era uma oportunidade para jovens meninos, entre onze e quinze anos de idade, aprenderem a desfrutar a natureza, a fazer amigos, através de muito esporte, num ambiente longe da cidade e longe das “saias das mães”.
Meu pai ficou muito impressionado e disse :
“Não temos nada parecido no Brasil”
Mr. Kennedy então respondeu:
“Porisso mesmo que eu tive a idéia de fazer algo semelhante ao que eu tenho aqui, em memória aos meus filhos que perdi na Guerra”
Meu pai voltou para o Brasil, chamou o Dr. Job Lane e ambos juntos resolveram procurar amigos que topassem a ideia de implantar o primeiro acampamento de férias do Brasil.
Não foi difícil reunir um punhado de amigos. O difícil foi realizar a tarefa no curto espaço de tempo que restava, pois o compromisso de meu pai com o Mr. Kennedy, foi o de ter um acampamento de férias pronto para funcionar no verão de 1947!!
Como foi escolhido o local?
Em 1943, no final da construção do Hotel Toriba, em Campos do Jordão, que meu pai fazia com meu avô, Ernesto Diederichsen, o famoso empreiteiro Floriano Pinheiro, que construía o Hotel, apresentou a ele o humilde pedreiro, Antonio Cortez que havia acabado de subir a Pedra do Báu, até então nunca escalada. Era plena Segunda Guerra, mas meu pai ficou tão entusiasmado, aos ter sido levado pelo Antonio, para também escalar a Pedra, que resolveu comprá-la, com idéia de fazer uma escada, e mais tarde, lá em cima, um abrigo, do tipo dos que existiam no Alpes da Suíça, País onde havia estudado.
Queria que “todo o mundo” pudesse escalar a Pedra, afim de desfrutar daquela empolgante natureza.
Foi assim que, anos depois, justamente quando meu pai resolveu levar para a frente a idéia do Mr. Kennedy, que o tal abrigo, em cima da Pedra do Baú estava sendo feito. E numa ida dele, para ver como andava a construção da casinha, em que eu também estava presente; lá de cima, me lembro do seguinte diálogo de meu pai com o Antonio Cortez, que não só havia colocado as escadas e os degraus, mas estava também construindo a casinha. Disse ele:
“Antonio, presta bem atenção. Eu vou explicar para você o que é um Acampamento de Férias para Jovens”
Respondeu o Antonio :
“Pois não Doutor, pode falar ! “
e meu pai, com muita paciência, explicou e explicou, tudo o que havia apreendido do Mr. Kennedy, terminou e perguntou :
“Antonio, você entendeu o que eu falei?“
respondeu o Antonio:
“Entendi sim, doutor”
meu pai então perguntou :
“Então me diga aonde posso fazer esse Acampamento?“
“Lá em baixo“
respondeu prontamente o Antonio Cortez, apontando, lá de cima do Baú, para o vale lá em baixo, onde hoje é o Acampamento Paiol Grande.
Meu pai voltou para São Paulo, reuniu seus amigos, e compraram as terras onde hoje está o Acampamento Paiol Grande.
Porque o nome Acampamento Paiol Grande?
Porque o Acampamento está no Vale do Paiol Grande. A Pedra do Baú está no meio de dois vales. Um chama-se Vale do Baú, fica no lado de campos e Jordão, e ou outro, Vale do Paiol Grande.
E daí?
Daí, após a compra do terreno, foi uma correria incrível!! O Acampamento tinha que ficar pronto em poucos meses! Não dava tempo de contratar um arquiteto. Então, meu pai, pegou os desenhistas do departamento de projetos da Elevadores Atlas, que projetavam as cabines dos elevadores, e juntos foram projetando os primeiros chalés de madeira.
Meu pai havia acabado de comprar seu primeiro avião, um Beechcraft Bonanza,e conseguiu com o Prefeito de São Bento do Sapucaí que fizesse um campinho de aviação na cidade, para assim ele poder sair na hora do almoço do Campo de Marte, onde guardava o seu avião e dar um pulo até o Paiol, afim de ver como andavam as obras. Nos domingos ele me convidava:
“Paulo, vamos dar um pulinho até São Bento, para ver como andam as obras do Acampamento?“
Eu tinha só dez aninhos de idade, mas lá ia de “co-pila”
Como foi a primeira temporada ?
Foi uma aventura total. A piscina não tinha ficado pronta. Era uma piscina de terra, mas muito divertida. Uma lama só ! O prédio do refeitório estava pronto, felizmente, então a gente tinha onde comer, mas o Ranchão, onde a gente iria fazer os eventos fechados, não estava. Faltavam as paredes laterais.
E aí o que aconteceu?
Deu um “pé de vento” e o teto do Ranchão desabou! Ficamos sem o Ranchão no primeiro ano.
E os chalés ?
Tudo bem, mas não tinham água quente. Aliás, assim foi por muito tempo, pois apesar das primeiras temporadas serem de dois meses, era verão, então o Mr. Kennedy entendia que não precisávamos de água quente. Só mais tarde, quando começaram as temporadas das moças, em Julho, com era inverno, então os chalés ganharam água quente.
Resumo da primeira temporada, não havia meio termo, alguns Paioleiros adoraram, mas outros, entre os “grandes”, que ficaram no chalé dos Ventos, detestaram a tal ponto que até FUGIRAM do Paiol.
Qual era a programação no primeiro ano?
Muito esporte, piscina de barro, lutas de Box, longas cavalgadas, banhos de rio de descoberta de cachoeiras, campeonatos de arco e flecha e é claro, muitas subidas na Pedra do Baú. Muitas porque eram dois meses!
Nas cavalgadas, sempre acampávamos em barracas e nunca sabíamos direito para onde estávamos indo, pois não haviam trilhas. Era só mato. À noite, é claro, sempre ouvíamos miados de onças. Não sabíamos que onça não mia e só “esturra” !!!
FOI UMA EXPERIÊNCIA INESQUECIVEL
São Paulo, 27 de Abril de 2012
29 comentários
alain duarte
julho 27th, 2012 at 11:05
Incrivel!!!! Nunca imaginaria uma história dessas, fui até a pedra do baú no início do ano mas infelizmente nao tive coragem de subir até o topo, meus amigos que me acompanhavam neste dia me disseram que haviam ruinas de uma casinha no topo mas não sabiam do que se tratava. Agora que sei não vejo a hora de escalar para ver pessoalmente e tentar sentir está incrivel história, já avisei o pessoal…
Meus parabéns Fernando Stickel!!!!
Aline Takagaki
agosto 15th, 2012 at 21:14
Olá Fernando! Sou estudante de Arq.& Urb. e minha família é de São Bento. Estou fazendo meu TFG sobre a Pedra do Baú(que agora é um Monumento Natural); uma proposta de infraestrutura turística, e essas historias me ajudam muito a entender a historia do local! Obrigada e Abraços!
Aline Takagaki
agosto 15th, 2012 at 21:20
Ah, meu Professor orientador é o Plínio Toledo Piza, acho que você o conhece! Abs.
fernando stickel
agosto 16th, 2012 at 13:22
Aline, que bom que o blog serve também para ajudar nas pesquisas!
Sérgio Garcia
outubro 28th, 2012 at 9:06
Olá Fernando;
Sou de Pindamonhangaba. Aposentei-me na VIBASA – Villares Indústrias de Base S/A. No meu bloguito criei a seção “Notícias Villares” onde registro fatos interessantes de colegas que participaram da implantação dessa importante usina siderúrgica.
Eis o link; http://ecoeantigos.blogspot.com.br/search/label/Villares
Grande abraço Fernando
denise de souza dantas
março 15th, 2013 at 20:28
Meu pai Tião Cortez, até hoje relembra com muito orgulho as histórias do tempo em que trabalhava com seu pai Antonio Cortez na Pedra do Baú e no Acampamento Paiol Grande.
Elaine da Silva Dorotéia
maio 19th, 2013 at 21:41
Adorei ver essas imagens, meu avô trabalhou com a família Cortez na construção do abrigo, e hoje com 92 anos conta histórias incríveis sobre essa empreitada.
fernando stickel
maio 25th, 2013 at 10:02
Elaine, algueem já registrou as histórias do teu avô?
Ivete Tanowe
outubro 2nd, 2013 at 7:58
Que legal ouvir esta história! Saber um pouco mais de um lugar tão maravilhoso! Não entendo como destruiram o abrigo de cima, quando escalei a Pedra do Baú, há uns 30 anos atrás, ainda restava o que havia sido a chaminé… tenho uma foto dela com o sol se pondo atrás. Lindo! Obrigada pelas informações. Seria legal se todas essas informações fosse registradas oficialmente, caso ainda não estejam.
denise de souza dantas
fevereiro 21st, 2014 at 22:16
http://globotv.globo.com/muu/muu-zona-de-impacto/v/100-anos-de-montanhismo-no-brasil/1970752/
Fala sobre a escalada da Pedra do Baú, pelo meu avô Antonio Cortez. Aos 21:40 desse vídeo.
fernando stickel
fevereiro 25th, 2014 at 15:17
Denise, acabo de assistir o vídeo, é genial!
Obrigado pela dica!
pedra do baú | Família Cortez
março 4th, 2014 at 11:56
[…] Leia o restante do texto em: https://www.stickel.com.br/atc/viagem/23977 […]
Admir
junho 10th, 2014 at 10:47
Olá, estava pesquisando algo na internet e encontrei seu site, sou bisneto do Sr José Vicente, ex proprietário da área onde se encontra a Pedra do Baú, área essa vendida ao Sr Luiz Dumont Villares.
fernando stickel
junho 10th, 2014 at 11:48
Admir, você e sua família tem fotos da construção da cabana no alto da pedra do Baú?
Luciana
novembro 7th, 2014 at 8:40
Gostaria de saber mais detalhes da imagem acima do certificado que aparenta ser uma foto. Obrigada
fernando stickel
novembro 7th, 2014 at 11:12
Luciana, é uma foto aérea mostrando a casa ainda de pé.
Henrique Trotta
dezembro 24th, 2014 at 10:33
Muito bom o tópico e seus comentários. É um local encantador que nos convida à conhecer seu passado. Eu tenho uma curiosidade sobre o topo da Pedra do Baú, talvez alguém possa esclarecer. Nas fotos antigas, todas praticamente, a vegetação no topo da pedra é praticamente rasteira. Hoje em dia há até árvores lá em cima. Alguém sabe explicar porque? Será que era desmatado para fogueiras no início? Será que o clima era mais frio e não nascia vegetação mais alta?
Paulo Penteado Kujawski
junho 8th, 2015 at 14:42
Quantas Saudades…..
Fui “Paioleiro”, pela primeira vez em 1953.Fiquei no Chale Sol, bem na entrada do acampamento. Depois retornei, mais tarde, como “Monitor”, por duas vezes e apos completar 18 anos, como conselheiro no Chale dos Ventos. Do Paiol Grande faziamos excursoes ate o Bau e escalavamos com os paioleiros mais velhos – de 14 anos acima. Ainda me lembro os escombros do que havia restado da cabana em cima do Bau. Mais tarde mudei para os Estados Unidos aonde ainda moro mas jamais me esqueci do Paiol Grande e da Pedra do Bau.
Paulo
fernando stickel
junho 8th, 2015 at 15:09
Boas memórias Paulo!
Talita
agosto 12th, 2015 at 22:36
Muito legal poder saber sobre o Bau e o Paiol em um breve texto aqui (mesmo tendo ouvido sobre a umas duas semanas atrás por meu parceiro Iron que mora em São bento).. Vou com muita frequência no cume do Bau e fico imaginando ‘qe sorte de quem viu esse refugio em pé’.. Triste saber qe vândalos destruíram. Mas tai! Faz parte da história!
Pra quem nunca subiu… PERMITA-SE, é incrível!
Beijos
fernando stickel
agosto 13th, 2015 at 14:19
Realmente, Talita, é uma experiência única!!
Thaís
outubro 12th, 2016 at 20:48
Muito legal mesmo Talita, agora que voce e o Iron moram aí, fica mais facil de eu subir, mas a cada dia tenho procurado saber mais desta incrivel experiencia, amei o bauzinho,a gora rumo ao báu e a pedra da Ana Chata. Linda a historia e ainda quero ver as ruinas deste refugio.Poderiam voltar a colocar um lá,seria incrivel!!!
Beijos
Letícia Souza
novembro 3rd, 2018 at 17:02
Hoje navegando pela internet encontrei esse Post muito interessante. Meu avó Sebastião Cortez, era filho de Antônio Cortez…Cresci ouvindo histórias sobre a Pedra, nas quais também citava o Drº Villares. Todas as gerações as escutavam com muito entusiasmo, histórias de coragem e determinação que levarão meu bisavó(juntamente com seu irmão) a realizar tal feito inédito na época. Meu avó também participou da construção do acampamento Paiol Grande e do Refúgio no topo da Pedra. Uma história que vou ter orgulho de contar para os meus filhos e netos!
fernando stickel
novembro 18th, 2018 at 11:24
Oi Letícia! Você não teria fotos?
Thaís Braga
abril 7th, 2020 at 22:18
Nossa letícia, seria mesmo incrível se tivesse fotos, adoraríamos ver fotos daquela época, ainda mais npos que amamos o lugar…
Maria Irlinda Franco Oliveira
outubro 12th, 2020 at 14:28
“Quantas lembranças!!! Sou “Paioleira” das temporadas de Julho de1961 e 1962. DORMI no topo da Pedra do Baú
nessas duas temporadas.Ainda havia a casinha mas ,sem os beliches originais. O VISUAL de Nascer e Pôr do Sol lá
de alto é Inesquecível é incomparável! A Ventania também … nos obrigava a andar curvadas nas MUITO estreitas “Picadas” lá de cima.Para uma garota De 13 e 14 anos foi um má DESLUMBRANTE Experiência!!!
fernando stickel
outubro 13th, 2020 at 13:50
Ótimas lembranças Maria! Estas ninguém nos tira!
Luiz Carlos Baptista
março 4th, 2021 at 13:59
Fui paioleiro em 1954 e 1956. Maravilhoso. Lá aprendi a nadar, a lutar boxe com o Eder Jofre – então instrutor. Estive na Ana Chata, a pedra ao lado do Baú. Dormi em uma fazenda. Fomos ajudar a limpar S Bento de Sapucai, inundada. Quantas recordações!
fernando stickel
março 4th, 2021 at 14:01
Sim, Luiz Carlos, excelentes recordações!
Deixe seu comentário