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uma história de amor


Seu Paulo e Dona Frola (Fräulein) eram duas figuras ímpares. Ambos solteiros, sem família, um nascido no Japão, outra na Alemanha.
Seus nomes eram Hiroshi Okumura e Lina Johanna Dietze, trabalharam como jardineiro e governanta na casa dos meus pais na R. dos Franceses durante décadas.
Ambos dividiam a guarda do Lumpi, basset que meus pais não gostavam de ver pela casa, e que portanto vivia ou no jardim ou na cozinha.

Dona Frola, já aposentada, morava em uma bela casa na R. Brunilda, e vivia das rendas de outras duas casa que comprou ao longo da vida com a ajuda dos meus pais.

Certo dia, por volta de 1987, cerca de 10:00h eu recebo um telefonema mais ou menos assim:
-Sr. Fernando, eu sou a vizinha da Dona Frola, e estamos preocupados pois ela não abriu a janela hoje.
-Vizinha de muro?
-É, nós conhecemos bem os hábitos dela, acho que aconteceu alguma coisa com ela…
-Estou indo para aí.

Cheguei lá, tudo trancado, batemos na porta, chamamos, gritamos e nada. Liguei para os bombeiros que chegaram e entraram pelo telhado, logo depois abriu-se a porta e me chamaram.
Ela estava deitada na cama, semi-inconsciente, diagnóstico dos bombeiros desidratação grave, levaram-na para o pronto-socorro.
Dei uma olhada na casa, tudo em ordem, era muito limpo e organizado, porém uma coisa me chamou a atenção, na geladeira havia inúmeros potes de margarina, e mais nada.

Daí para a frente um longo processo se seguiu para convencê-la de que não poderia mais morar sozinha, se bem me lembro havia um diagnóstico de Parkinson e/ou Alzheimer. Meu pai negociou com a Sociedade Beneficente Alemã recebê-la, o que aconteceu em 1988, e como ela não tinha herdeiros, acabou por doar seus imóveis à Sociedade, que em contrapartida acolheu-a até seu falecimento.

Agora é que vem a parte interessante da história. Na época em que Dona Frola foi internada, o Seu Paulo, também aposentado, morava em um apartamento na R. Jacarei, a poucos passos da Assembléia Municipal.
Quando ele soube da internação, passou a visitar Dona Frola regularmente, e finalmente acabou por se tornar seu guardião, cuidando dela e vivendo com ela no Asilo, até sua morte.
Alguns anos depois ele também faleceu no Asilo, lembro-me de sua fisionomia na capela, já no caixão. Parecia um Buda. Iluminado e tranquilo.

O escritor Rubem Alves conta esta história de amor bem melhor do que eu, aqui.

é isso, por fernando stickel [ 9:54 ]

13 comentários

Renata Cook

agosto 19th, 2010 at 10:23

Frola de Fraulein? Que divertente.

Renata Cook

agosto 19th, 2010 at 10:26

Essa historia me fez chorar, Fernando, estou ficando cada dia mais boiola para causos destes.

Renata Cook

agosto 19th, 2010 at 10:28

Ou seria moióia. Sei lá a palavra,deveria ser moióla mesmo, de mole.

Don Victor

agosto 19th, 2010 at 12:56

Bonita história!!

Ze Rodrigo

agosto 19th, 2010 at 15:17

Fascinante esta história.
🙂

Elizabeth

agosto 19th, 2010 at 20:01

Ei Fernando,

Ja tinha lido essa história, assim como muitas outras do Rubem. Indago: pq as histórias de amor são sempre tão tristes e nos deixam profundamente tocados?

Abraço,

madoka

agosto 21st, 2010 at 0:07

Linda e fascinante a História de vida de gente da vida real. Adorei e me emocionei, muito obrigada em compartilhar com a gente. Coincidência o escritor Rubem Alves ouvir da sra. Tomiko a mesma história.
E quão grande são seus pais que proporcionaram uma aposentadoria digna à eles.
é um dos mais belos post Fernando, dentre vários.
bjk

fernando stickel

agosto 23rd, 2010 at 8:27

Renata, Don, Zé, Beth, Madoka, de fato a história é muito interessante! Principalmente porque mostra algo que sempre esteve ali, subjacente, latente, e que só se manifestou concretamente na velhice…

monique

agosto 23rd, 2010 at 8:43

nossa
olhos mareados nesta manha de segunda feira.
linda história fernando.

Gorete

setembro 5th, 2010 at 14:22

Genial! Uma história inusitada construída pelo acaso, reunindo/separando duas almas de origens e culturas tão diversas, e fazendo-as reencontrar no ocaso de suas vidas.

fernando stickel

setembro 6th, 2010 at 10:10

Monique, Gorete, o acaso levou uns quarenta anos para se manifestar! Acho que só a fragilidade da velhice fez desmoronar as barreiras…

Jane Andresen

setembro 7th, 2010 at 19:08

Lembro bem de ambos.Que saudades tenho dessa altura em S Paulo, na rua dos franceses . Já havia sabido desta estória de vida contada por sua Mãe.

fernando stickel

setembro 8th, 2010 at 8:57

Jane, você deve saber de outras histórias!

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