De Manoel de Barros, no livro O Encantador de Palavras, 1996.
1. MATÉRIA DE POESIA
Todas as coisas cujos valores podem ser
disputados no cuspe à distância
servem para poesla
O homem que possui um pente
e uma árvore
serve para poesla
Terreno de 10×20, sujo de mato – os que
nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
servem para poesla
Urn chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
são bons para poesia
As coisas que não levam a nada
tem grande importância
Cada coisa ordinária é um elemento de estima
Cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral
O que se encontra em ninho de joão-ferreira:
caco de vidro, garampos,
retratos de formatura,
servem demais para poesia
As coisas que não pretendem, como
por exemplo: pedras que cheiram
água, homens
que atravessam períodos de árvore,
se prestam para poesia
Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia
As coisas que os líquenes comem
– sapatos, adjetivos-
têm muita importância para os pulmões
da poesia
Tudo aquilo que a nossa
civilização rejeita, pisa e mija em cima,
serve para poesia
Os loucos de água e estandarte
servem demais
O traste é ótimo
O pobre-diabo é colosso
Tudo que explique o alicate cremoso
e o lodo das estrelas
serve demais da conta
Pessoas desimportantes
dão pra poesia
qualquer pessoa ou escada
Tudo que explique
a lagartixa de esteira
E a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia
O que é bom para o lixo é bom para a poesia
Importante sobremaneira é a palavra repositório;
a palavra repositório eu conheço bem:
tem muitas repercussões
como um algibe entupido de silêncio
sabe a destroços
As coisas jogadas fora
têm grande importância
-como um homem jogado fora
Aliás é também objeto de poesia
saber qual o período médio
que um homem jogado fora
pode permanecer na terra sem nascerem
em sua boca as raízes da escória
As coisas sem importância são bens de poesia
Pois é assim que um chevrolé gosmento chega
ao poema, e as andorinhas de junho
5 comentários
carminha
maio 3rd, 2003 at 13:14
Gosto do Manoel de Barros também.Falando sobre o alpinista, cada jornal escreve uma coisa, a Folha que pegou a notícia num jornal francês diz que foi uma machadinha. Faz mais sentido. Quanto ao osso, provavelmente já nem precisava cortar, a pedra que prendeu o braço dele tinha quase meia tonelada. Nó!!
Biba Blandy
maio 3rd, 2003 at 15:02
Manoel de Barros é a uma daquelas reencarnações maravilhosas que vez ou outra calham de nascer no Brasil!Beijo.
Sil
maio 5th, 2003 at 15:29
Ele é fantástico. O Fazedor do Amanhecer me encanta a cada releitura…
aqui tem coisa » Arquivo » com o que se faz poesia
dezembro 13th, 2007 at 17:33
[…] neste momento seja bom saber com o que se faz POESIA. é isso, por fernando stickel [ 17:33 ] Link para este post Comente […]
cacodeoliveia
outubro 11th, 2012 at 19:35
conforme o poeta
fernando jose karl, o poeta acima e a reencarnaçao
viva do mesmo
OVOALGEMACLARAPRISÃO
GRATO carlos augusto coelho de oliveira
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